quarta-feira, 6 de agosto de 2025

A ASCENSÃO DO SANSEITO

Tem repercutido nos últimos meses a rápida ascensão do Sanseito, partido praticamente criado no YouTube durante a pandemia da Covid-19 e que nas últimas eleições conquistou 14 cadeiras na Câmara Alta do Japão.

Seria mais um simples partido novo se não adotassem no seu ideário um discurso contra estrangeiros, o que, a curto ou longo prazo, pode afetar sim a maneira como estrangeiros enxergam o Japão quando se trata de oportunidades. Logo, este assunto está diretamente relacionado aos estrangeiros que estudam a língua japonesa e, portanto, precisa ser abordado, apesar de ser um tema bem chato.

Com o lema “Japanese First” (“Japoneses Primeiro” – ironicamente em inglês, uma língua estrangeira), de forma geral o partido não defende um fechamento total de fronteiras para estrangeiros, mas sim uma maior restrição na imigração e limitação clara de certos direitos aos estrangeiros (como a aquisição de terras e a abertura de empresas).

Pode haver quem pense que priorizar seus próprios cidadãos é algo natural, mas precisamos levar em conta o envelhecimento da população japonesa e a voluntária falta de interesse dos próprios japoneses por ocupações consideradas “sujas, perigosas e difíceis” (3K).

Ora, os estrangeiros não entrariam no Japão se o governo japonês (única entidade  legal que possui as chaves) não abrisse as portas para eles. E se o próprio governo japonês abre as portas para estrangeiros, é por que ele enxerga a necessidade de “importar mão de obra”. Culpar os estrangeiros em um contexto de envelhecimento da população e falta de interesse voluntária dos japoneses pelas ocupações 3K, é uma grotesca falsificação da realidade, numa clara tentativa de transferir a responsabilidade dos próprios japoneses para um ente externo (os estrangeiros). Isso sempre funciona no tipo de política populista, isto é, é bem mais fácil apontar um “inimigo externo” que precisa ser combatido (infelizmente o ódio une pessoas com mais facilidade) do que olhar para dentro e assumir as próprias responsabilidades (por que os japoneses não têm filhos? Por que os japoneses não se interessam por ocupações 3K?, etc.).

Além disso, quando um país precisa de estrangeiros para fazer sua economia girar, é óbvio que precisa oferecer algum benefício (ou privilégio, como dizem) aos estrangeiros que forem para lá. Caso contrário, por que alguém sairia de seu país e escolheria um país em vez do outro? Não existe almoço grátis em comportamento humano. Encare os países como lojas que precisam disputar a clientela e você enxergará facilmente essa necessidade de países oferecerem benefícios aos estrangeiros.

Creio que dificilmente as ideias do Sanseito se tornarão políticas de Estado, sob pena de o Japão sofrer retaliações de outros países. Contudo, tal tipo de discurso político, em um país em que praticamente não existem leis antidiscriminação, pode inflamar a população japonesa e aumentar sua hostilidade com relação aos estrangeiros. Com um maior grau de hostilidade, as oportunidades para estrangeiros ficariam ainda mais restritas, o que faria os estrangeiros escolherem outros países.

E por que há estrangeiros que estão achando o discurso contra estrangeiros legal?

Eu dividiria tais estrangeiros em dois grupos: (1) aqueles que desejam muito ir para o Japão, mas como não podem ir por algum motivo, alegram-se com a possibilidade de quase ninguém poder ir também (o famoso “Se eu não posso, ninguém pode”), e (2) aqueles que já estão no Japão e não querem concorrência por receio de terem que sair de sua zona de conforto.

Em outras palavras, creio que seja  o sentimento de vingança e/ou o receio da concorrência que estão fazendo estrangeiros apoiarem o discurso contra estrangeiros do partido Sanseito.

De qualquer forma, parece que o discurso do Sanseito no fim das contas apenas externou o que muitos de nós já sabíamos (mas que custávamos a aceitar): que o o governo japonês nunca quis estrangeiros residentes de fato; apenas trabalhadores estrangeiros temporários. Então, por que concedem a residência permanente, renovação de vistos e/ou naturalização? Não era mais fácil explicitar as regras do jogo desde o começo das grandes imigrações? Ou estavam com receio de que se assim fizessem muitos estrangeiros não teriam optado pelo Japão?